quinta-feira, 30 de abril de 2009

Chiaroscura

gatoescondecabeça

now a lay me down, by littlerottenrobin

Um olhar seco diminui o brilho
Verde lúbrico
E um frio
Avisa - a dor é Clara

O corpo crispado,
Ela me olha de lado
E no passo a passo cuidadoso, lá vem ela
- Mal estar em silêncio -
Senta tensa ,
Bem na frente santa
De minha angústia

E quase me acalma,
Não fosse o repuxo no couro,
O estremecimento mudo
No rajado do pelo, a dor do mundo

Em movimento desastrado,
Sua fragilidade a faz sem graça,
Sem cálculo
Derrubando copos, saltando errado

E se o sofrimento é imenso,
Nós duas sabemos,
O único jeito é se esconder pelos cantos
Evitar encontros,
Constrangimentos

Minha gata não me quer longe,
Nem muito perto
Ela me quer alerta,
Velando a madrugada,
Fazendo-lhe o carinho mais leve,
Sem palavras nem um pio!

Logo a bem-te-vi virá
Piar bom dia em liberdade,
Enquanto ela é predadora domesticada,
E aguenta aborrecida
Toda a alegria dessa pássara
Recém-desperta,
Mostrando a cria e asas frescas

Mas ela sabe esperar
O rasgo prestes a sangrar
Agora? Ainda não.
Encolhida, entre o final da noite e o começo da alvorada,
Ela me olha

Um palmo nos separa,
O genoma nos diferencia
Felina, tão sábia,
Quanto mais sofre menos mia

Eu, humana, quando me dói a alma
E o corpo agita ,
Reclamo em gemidos, faço conflito com a vida
Apago verdes, congelo os sentidos
E disparo avisos
De frio e dor escura

© Compulsão Diária

MyFreeCopyright.com Registered & Protected





₢Compulsão Diária

MyFreeCopyright.com Registered & Protected

terça-feira, 28 de abril de 2009

Concreta

concreta letra
    espoleta pedra
        pólvora secreta
                          fluxos sumos
                espirra dentro da palavra
jorra tema
         é código
           poema intruso
           bole , assusta
           frustra
           depois fica feito fruto
amadurece
    não amarela
adocica   
    não caramela
traduz-se na raiz
    emaranha-se em galhos
        espalha-se em folhas
            e cresce vertical
pedra e flora
    jorro e calda

 

©Beatriz e Marcos Moura

MyFreeCopyright.com Registered & Protected

Vento

O vento gruda na pele
E não sai com água ou vento
Enreda-se nos pelos
Envolve-se entre as pernas
Nina-se nos braços
Não se desfaz o vento

Brisa grossa como água
Cola nas costas
E se arrasta com o corpo
Em dança e andar
Ladeira e escada
Rua e banho
Não desemplastra-se o vento

Como gadanho agarra
Não deixa solto o vento
Que acompanha e guia
Dando voltas sobre si
Levando e trazendo sonhos
Arrastando e voando almas
Viaja preso o vento

©Marcos Pontes
MyFreeCopyright.com Registered & Protected

segunda-feira, 27 de abril de 2009

doce-amargo


cake for andy goldsworthy
Upload feito originalmente por
distopiandreamgirl




Este mistério tem andar macio

É tristeza iluminando

Sonhos meus

Sentimentos

Um adeus de lua

Que se põe

Que se vai aos coices

Sem bênção nem beleza



Apaga-me o corpo

O desejo cortado,

Sobra tensa, por um fio,

Do dia sobre a lâmina

Largado no canto

Feito pano ou resto de lembrança,

Fiapo de sorriso amargo,

Desfiado

Pelo espinho de um desprezo



Todos dormem

- Bárbara repetição -

Os gatos, eu,

A chuva e um galo precoce

Ainda não



Esperamos a manhã,

Enquanto um guarda, com seu apito,

Grita – Estou aqui!

E eu?



Até quando

Acredito,

Duvido no que me disse a noite

Com toda esperança,

Com tanta certeza

De que o passo, o caminho

O errinho, o tropeço e o cansaço

Seriam doces





© Compulsão Diária

MyFreeCopyright.com Registered & Protected

domingo, 26 de abril de 2009

Efe

Faliu o falo
Falou a flora
Fluiu a falta
Furou a fila

Filtra o feltro
Flamba a flor
Fala a fera
Falta a feira

Fugirá o feto
Furtará a figura
Flertará o feio
Fintará a fúria

Fingiria o falso
Fretaria o furgão
Fumaria o frugal
Fornicaria à farta


©Marcos Pontes
MyFreeCopyright.com Registered & Protected

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Difícil ser fácil

É fácil ser feliz
Difícil é viver
Ofício imposto
Diário e cotidiano
Volta-se áspero como lixa
Como lixa e cacos de vidro
Veludo suave como seda
Cedo cedo e insisto

É fácil viver
Difícil é ser feliz
Catação diária pelos caquinhos
Pedacinhos miúdos
Felicidade esmigalhada
Espalhada em peças
Encaixáveis
Impeças que encaixe
Não falo, mudo

É fácil ser difícil
Viver é ser feliz
O resto é quase viver
É desviver
Fazer de conta
Contar o que se faz
Rir sem ser feliz
Sentir de brincadeirinha

Fácil viver
Falso viver
Feliz vivacidade
Fiz fácil o difícil
E fiz-me feliz
Fluí
E navego em mim
Levando a mulher amada
Nas costas-casco
De nosso navio
Vivemos felizes
Fácil



©Marcos Pontes

MyFreeCopyright.com Registered & Protected

Creole e ela

Na madrugada o miado
Insistente música
Compulsão sonora

Ela insiste e teima
E há de fazer poesia
Costurando os sons
De Cesária e creole
Letras, língua e fonemas
Entrelaçados
Tricô de palavras

Do outro lado das janelas
Silêncio e escuridão
O silêncio ecoa cá
O escuro ilumina a África
Que se espalha da sala ao quarto

Nada que não há
Deixará de nada ser
Nas palavras que ela cata
E traça renda
Labirinto negro de olhos azuis


MyFreeCopyright.com Registered & Protected

domingo, 19 de abril de 2009

Anti-tédio

Carse of Gowrie - Hazy Scottish View, upload feito originalmente por idg.

 

Fruta, pão, geléia e

Café com gotas de calma,

Cheiro de gatos, alfazema com

Ele nos lençóis

Preguiça

Tépida nudez e braços

Estendidos para afastar muros

Não quero visitas – ricas iscas

Nem ir – uma vez mais,

Até onde conheço

 

 

Prefiro berço novo

Charco e cais

Sem endereço

Água escura, morna

Abrigo e afago

Beirut, o grupo

Francês saltimbanco,

Neste outono  - primavera adormecida-

Pouso e gruta segura

De minhas escolhas tantas

Folhas e flores e frutos 

Costela assada e suco

Graviola rascante

terça-feira, 14 de abril de 2009

Rasgo

closed-door-with-musk-thumb508276

Salta, gato
Alcança o topo
Do muro, passo
E rasgo nós,
Meus dedos

Nos tijolos desnudos
Do musgo, quero o veludo
Enlevo e a tarde nem vem?

Vai e leva
Medo ao poço,
Este roxo
Aberto no céu da pele
Deste outono
Insone, molhado

Gotas, gorgeios claros,
Cedo no meu telhado
Chove, chove, chove

Sem alarde
Teu pelo aquece
Dentro. O endereço
Da madrugada onde
Os flancos ardem
Brutos meus absurdos,
Eretos, desesperam
Nas paredes mofadas
Sem alarme, árvores esperam

E dorme a cidade

Parto,
Renasço adormecida
Nos braços do homem
De quem sinto fome
Quando a noite vem, acordo
Ele dorme

Imagem :CLOSED DOOR WITH MUSK
©
Ehcle Dreamstime.com

© Compulsão Diária

MyFreeCopyright.com Registered & Protected

domingo, 5 de abril de 2009

Noite

No hiato das palavras
Sinto o verbo escorrer como sangue
Por entre os dentes trincados.

No tropeço da dança
O enrosco de pernas bêbadas
Por entre mesas amorfas.

No trinado do desafino
Queimam os tímpanos calejados
Em notas caídas ao léu.

Vejo a noite esvair-se
Lama negra pelos bueiros pútridos
Por entre passantes.

Vara a madrugada
O vago lume de estrelas pálidas
Cansadas em velar loucos.


MyFreeCopyright.com Registered & Protected



Desperto

Rasgo a noite
Rasgo o lençol negro da noite

Acordado como anjo
Notívago anjo de altar

Procurando nas paredes
Procurando ver nas negras paredes

Uma sombra
Uma branca sombra da cor dela
Que não o é
Que não é branca da cor da sombra

E não vejo
Não a vejo, nem à sombra

Viro a noite sonhando
Viro a noite sonhando com olhos abertos
Para fechá-los pela manhã
Para fechá-los cansados pela manhã inútil


MyFreeCopyright.com Registered & Protected

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Joguinho

Clareia dia
Navega mar
Mora lar
Pula drama
Brinca bola
Chuta sola
Deita cama
Senta cadeira
Queima lareira
Escorre pia

Coaxa jia
Apaga noite
Apanha açoite
Come fruta
Esconde gruta
Penteia pelo
Carimba selo
Joga baralho
Caminha atalho
Dorme apatia

Troa bateria
Explode som
Degusta bom
Explica fala
Olha olho
Molha molho
Acorda sol
Anota rol
Agasalha fria


©Marcos Pontes
MyFreeCopyright.com Registered & Protected

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Combate

A mão escorrega nas ancas
E os olhos miram a nuca,
Peito e costas se roçam
Pas-de-deux

Moderna dança horizontal
Antiga
Sobre e abaixo de panos,
Bandeiras brancas de entrega
Mis-en-scéne

Quatro pernas se enroscam
Judô, sliva e ruídos
Estalo de línguas em duelo,
Suor, seiva dos corpos
Lutte martiale

A entrega se dá
Mútuas rendições
De combatentes suaves
No enrosco dos dorsos
Fatigados e felizes
Grand finale


©Marcos Pontes
MyFreeCopyright.com Registered & Protected

Fantasmas

Celeste valsa de almas
Entre nimbos e estrelas
Vagueiam soltas caravelas
Quimeras barcas fantasmas
No caminho iluminado
Pelos lumes piscantes astrais

Espectros nítidos à luz
Dançam ao som de ninfas
As flores mudas e fadas
Sobre as cabeças e ombros
Que carregam Atlas nas costas

À guiza de sombra
Goza de cara assustada
A luz que guia os mortos.
Fala alto em sussurro
Aos ouvidos moucos
Roucos grunhidos perdidos

Presente e passado passeiam
Ante os olhos e por trás
Escondendo-se nas vontades,
Absortas em choros,
Gargalhando às escuras
No assombro da vida,
Estrada perdida no éter.


©Marcos Pontes
MyFreeCopyright.com Registered & Protected