quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Não sei se foi



Não sei se foi o soco do piso
Na retina o ar tremeu de calor

Não sei se foi o prazer perto de mais
Medo do frio dos museus pós-modernos

Não sei se foi o desespero
Do mais gozar - frenesi - do mais comprar

Não sei se foi o reflexo dos passantes
Em feitiço na vitrina, eram fantasmas

Não sei se foi a lembrança da tradição
Do hospital desmembrado nas três esquinas

Não sei se foi a visão do quarto
Era ela quase morta no dia da passeata

Não sei se foi esse começo de verão na primavera
A felicidade da menina distante, a mulher bailarina

Não sei foi a lama na campanha
Os dois candidatos empalados nos postes do preconceito

Não sei se foi a decadência da avenida
A falta da falta daqueles que faltaram

Não sei se foi agora que eles são peso morto
Presença da ausência inesperada

Não sei se foi esse adeus na ponta da língua.

Foi o tronco marrom sob a sombrinha
O olhar no sorriso daquele toco
Foi a dor peregrina sem membros
Foi a boca e a sede do menino-torso
Foi a letra na caixa de sapatos
Daquele texto triste
Pedido de amor - muito mais ato
Menos esmola, um nada de pena
Agora sei, foi o mesmo descaso.

Ele e eu amputados
Foi ele sem movimento
Minha mão sem gesto
Foram saudades súbitas
Dos horrores destas ruas
Deste vazio nas sarjetas
Dos excessos desta minha cidade.

Compulsão Diária, outubro de 2008

2 comentários:

Anônimo disse...

Os Não sei's em excesso me incomodaram um pouco.

Mas depois que o poema larga eles ganha força e arrebata.

Não sei de onde tirou isso. Mas tá escrevendo uma pá e meia.

Pra mim é Bom voltar a acompanhar.

Um chero cheroso, boa quinta boa.

Anônimo disse...

Nossa! Texto forte e impactante de um poeta acuado que sofre com a amputação do gesto. Você tirou o meu fôlego, juro. E matou a pau com esse trabalho do Hopper, um dos ícones da solidão.