quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

As portas se fecham

Não é o pó da estrada

o vermelho nos ombros

e nem água do céu

o incolor transbordante.

 

Não é água de chuva

que empapa a camisã.

Não são bolinhas de sabão

que estufam as palmas.

 

Não são rascos de arado

que lanham a testa fundo

nem o peso dos troncos

que envergam as costas.

 

Não são pedras de rio

que fazem nós nos dedos,

muito menos nevoeiro

que enturva a vista.

 

São os anos, são as vidas

muitas vezes vividas

ná única vida

que deforma e esptropia,

enevoa e embranquece,

abrem sulcos e fecham

definitivamente

a definitiva porta.

 

Eun, 07 fev ‘13

Marujo

Sol vira gira-sol na campina

E mar marola na marambaia

Alga deixa de ser planta

Vira marisco, vira sereia, vira arraia.

 

Pasto vira boi, boi sela

Que sela o boi que vira sela

Boto vira homem na mata

Que vira tora que boia

 

Vento vira e vira ventania

Que vira a vela do barco que vira.

Marujo vira peixe, marlin que afunda

âncora humana, “incelença” que delira.

 

Vida vira mar lá na lonjura

Sol que virou flor não ilumina

Homem virou peixe e não volta

Vira saudade nos olhos da menina.

 

Eun, 06 fev ‘13

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Paradoxo festivo

feito pai e filho

no rasgo da estrela solar

em horário de verão

sob chuva forte.

 

TxF, 4jan91

 

Feito estátua

fico parado

te olhando passar

com passos de pombo

na praça da igreja.

 

Se me sujares

será um prêmio

não castigo vindo do céu.

 

O que vier de ti

será ouro a me pintar.

 

Teus olhos dizem muito…

 

Brilho dos olhos

não são estrelas,

mas ofuscam mais

e iluminam mais

e mais fundo falam

que qualquer brilho.

 

Brilho de olhos

não dizem tanto, mas dizem mais

que olhos brilhantes

de um deus qualquer

esculpido em gesso

pálido branco

de gaze de hospital.

 

Brilho de olhos

não falam

gritam ao oco da alma.

 

TxF, 4jan91.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Estações

Se eram sorrisos

Era sol e primavera

Amuo é meia noite

De inverno solitário

 

Verão de gargalhadas

Enche a cama e o quintal

Ar tépido oloroso

E gorjeios, toque e pele

 

As estações se alternam

E mudam os ares

Que mudam as estações

Nos tempos de lágrimas e sorrisos.

 

©Marcos Pontes

segunda-feira, 14 de março de 2011

Poesia

Desfez-se em letras

O universo ao derredor

E escorreram como cachoeira

No branco da celulose

Invadiram vales estéreis

Verdejaram como limo

Na aspereza da terra fértil

 

Dos olhos translúcidos do poeta

O que era feio ganhou viço

O que era lindo transcendeu

E fez-se verso o que era sonho

 

Do nada nasceu tudo

Em cores e rabiscos

Sob as penas de Bené, Drumont

Quintana virou quitanda de poemas

Nélida deu frutos como pinhas

Cecília a negação de Max

Em complemento épico

Do barro nasceu Barros

Barrinhos, diria o diminutivo Moraes

 

Estrelas veem-se de dia

Decompondo em fonemas a luz

Escalando nas estrofes, ou sem,

A vida vívida em vida de desejos

O lume das ideias

Em formas sintéticas

 

Deus disse “faça-se o verbo”

E criou a poesia

Soprou o barro

E fez o poeta.

 

©Marcos Pontes

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A chuva furou a noite

A chuva furou a noite
Pelos buraquinhos vê-se a luz
Dividida em pontinhos

Do outro lado do cetim negro
O branco vaza pelos furos
Descorto de passadas nuvens

A água ainda rola pela rua
Refletindo os cacos de luz
multicolores brotoejas velozes



©Marcos Pontes


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domingo, 5 de dezembro de 2010

Vida Campari

Veneno lilás em copo plástico

A nobreza da cicuta

A pobreza do moderno

 

Arde na garganta e aquece dentro

Arde nos poros

Mostra cancelas fechadas atrás

 

A vida flui

Some pelos poros abertos

Cores avivam-se

 

Poção ardente

Campari com soda

Domingo

 

Veneno amargo

Rubro e frio

Que o sol aquece

O dia renasce à tarde

 

Muitos mais noites virão

E verão o verão arder

Na aquarela espalhada

 

Renasce o sangue

A semana vem e vai pra vir

A vida vibra

 

©Marcos Pontes

sábado, 4 de dezembro de 2010

Áspero

No lençol de terra vermelha e quente

Descansa o corpo nu

Homem pai menino filho

De alguém que não sabe

Que o corpo nu descansa

Sobre o lençol vermelho e áspero

De terra e sangue

Do corpo nu do homem

Filho marido amante e vermelho

Áspero corpo sobre o lençol de terra

E a família ainda não sabe

Se foi de homem traído

Por pedrinhas amarelas e podres

Ou roubo mal sucedido

Apenas buracos vermelhos que não irupem mais

Espalhando o corpo liquefeito

Sobre o lençol áspero de terra

Os fios da cabeça tremulam como vivos

Pela brisa que amaina o fervor da manhã áspera

Que envolve o corpo nu perfurado

Olhando os urubus sem vê-los

 

©Marcos Pontes

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O homem é mil

No semblante

A lua pálida

Nas mãos

O oceano

Reflete-se em si

Vira mundo

Entre as faces e as mãos

Faz-se universo

“O homem é mil”

Sendo só

O homem é uno

Sendo tantos

Nos pés de lajedo

O pisar forte

O suor da labuta

Irriga e verdeja

O homem é seu mundo

Enclausurado em si

domingo, 21 de novembro de 2010

Norte e Sul

Eu estudo física
Ela faz teologia
Eu amasso o pão
Ela cuida do jardim
No mercado faço as compras
Ela calibra os pneus
 
Norte e sul se cruzam
Na alcova e na varanda
 
Ela conserta o telhado
Cirzo as meias de nós dois
Ela cuida dos gatos
Faço chá para as visitas
Ela engraxa os sapatos
Arrumo a cama de manhã
 
Preto e branca se mesclam
Na mestiçagem do casal
 
Ela arrasta os móveis
Eu varro sob o sofá
Ela me leva ao doutor
Faço curativo no seu dedo
Ela mata as baratas
Grito com medo de aranha
 
Macho e fêmea se entrelaçam
No novelo de nos dois
 
 
©Marcos Pontes

Ir e vir

 

Navegar nas vagas da memória

Sentir os gostos da infância

Sabores perdidos

Redivivos gostos doces

Águas

Rios, bicas e chuva

O cheiro ainda presente a cada garoa

 

Circunavegar os anos

Em todos os sentidos,

Com todos os sentidos

Tatear o tempo macio

Segundos deslizados suaves

Traçando vias passadas

 

Viajar os rostos

Tantos olhos vistos

Apertar as mãos

Tantos corpos passados

Ferir os tímpanos

Na vozes e acordes idos

 

À frente estrada virgem

Uns dizem ter aberto picada

As narrativas imprecisas

Impelem ao desconhecido

E mais passado se faz

Cada dia maior do que o que virá

 

©Marcos Pontes

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Flores e galos

Rasga a negritude

O dourado dos raios por entregalhos

Amacia a noite

E a colore, deitada ao sereno

 

No pátio, flores e galos

Pendurados no sorriso dela

A Lua cúmplice

 

As agulhas finas da garoa

Fazem música na calha

Toda perfume, a noite

 

Luz e água

Frio ferve por dentro

Entre miados e brilho

A noite segue

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Entrocamento

A interseção de vida e desejo
É como encontro de ares.
O frio e o quente se chocam
E nascem raios, ruídos e tempestades
Ciclone arrasta sonhos
Enxurrada leva o sossego
De pernas ao alto ficam os dias

Gritos nascem do quase nada
Regelam os músculos cardíacos
à Espera da volta do verão

Não fosse o tanto de amor como pilastra
A casa construída ruiria
Ficariam escombros sobre os corpos
Balançantes nas vagas incertas

A reboque do sol
Veio a estação da luz
De mãos dadas bicurcamo-nos
E a nova casa se ergue sólida

Alma Nova

A alma bate à porta

Pedindo entrada

Fantasiada em roupa nova

Alva e limpa

Esquece o que já foi

E refaz-se em desejos e objetos

Novo destino se traça

 

A aura se recobre

Em nuances e matizes

O avesso da velha vida

Novos pecados e virtudes

Se confundem ao vivido

Vívida esperança de mudar

 

O espírito se renova

Rompe o casulo e voa

Abrindo claraboia

Olha o alto

Onde nuvens se dissipam

Mostrando a redoma azul

Aberta é límpida

Novidade à mostra

Lanho

Explícito lanho

Mostrando a carne

Incandescente

Ossos vibram

 

Xilofone de teclas brancas

Emite som soturno

Entre gritos e horrores

 

A morte exposta

Nas manchetes encarnadas

Entrelinhas impessoais

Imagens do pária craqueado

encomendado pelo inferno

Das ruas, becos escuros

A Letra Pendurada

A letra pendurada no chaveiro

Conta uma história pelo avesso

Do nome com a letra

A letra do nome

Letra e nome pênseis

Pêndulo de metal

 

A letra pendurada no chaveiro

Balança o nome não escrito

História balouçante

De nome e letra mudos,

Pêndulo metálico

 

Na ponta da corrente

Orgulho de nome herdado

Ou posse explícita

Na letra de milhões de nomes

Como se fosse Única, com dono

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Plantar

Arei os sonhos com as unhas
Abri valas
Semeei com urros
Reguei com suor.

Brotaram dias e noites e dias
Noites e dias de sol e ar
Dias e noites de brisa e chuva

Vidinha que cresce verduenga
Viçosa vida que rasga robusta
o solo barroso e vinga



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segunda-feira, 26 de julho de 2010

A estrada

Não se espera a caça cair
Caça-se

          Sibila a seta
          Acerta o alvo

Busca-se a certeza do acerto
Sem se esperar o milagre.
Faz-se o caminho
Pedras não se nivelam sozinhas
          A estrada não nasce
          É construída no suor.
          Pode ser forte e torpe
          Reta, precisa, plana
          À feição das mãos que traçam

Picada aberta em mata
Via larga com horizonte
Pinguela estreita sem fim
Avenida de quatro vias
Arte, trabalho e traço
Sem acaso
        
          Não é presente o caminho
          É obra e ciência
          Labuta, sangue e foco


©Marcos Pontes

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Voo

O surto
          O susto
                    A certeza
Nimbus aos pés
Voo de urubu
À espera do mergulho
          No tobogá das correntes
          Alternam-se o raso e o alto
          Muda a perspectiva do solo
          Saltam poros em arrepio
          Prazer e luta
Vertigem do rasante
Sofreguidão do cume
E o plano se estende
          A vela
                    O velame
                              A vida


©Marcos Pontes

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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Dia a Dia

 

Entre a aurora e o ocaso

Construo e destruo meus dias

Dia a dia

 

Nasço na alvorada

Me descabelo no zênite

Morro à boca da noite

 

No escuro

À ausência do dia

Me reviro em espera

De reviver ensolarado

 

Em dias de chuva

Mergulho em mim

Catatônico

Enublado de nuvens

domingo, 16 de maio de 2010

Varanda

 

A varandinha é urbana,

Mas é minha e dela,

Minha dona mundana,

Senhora e amante,

Fortaleza e cidadela,

Varandinha baiana.

 

Já vejo a rede colorida

De varanda de renda

Pra preguiça adormecida

Num domingo diário

Onde a tarde se estenda

Dentro da casa florida

 

Casinha e varanda de dois

Abertas pra muitos mais

Ontem, agora e depois

Na preguiça da conversa

Onde até briga é de paz.

Se chegue, amigo, pois.

 

Já nós dois velhinhos

Nessa varanda sentaremos

Fecharemos os olhinhos

Num suspiro de adeus

Da vida já nos extremos

Da varanda despedimos.

Cyberpoesia

 

Se de um dedo sai uma prosa

Da mão sai enciclopédia

Das mãos nasce um universo

Encerrado na poesia

 

Da língua escorre palavra

Que pinga sobre o teclado

Seiva corrente em fios

Estampa-se na tela vítrea

 

Faz-se poema eletrônico

Poesia cibernética

- palavra fora de moda –

Megabytica poesia

 

O cérebro eletrônico

-expressão mais velha que cibernética –

Não poesia sozinho

Carece de carne e sangue