sábado, 30 de maio de 2009

Hacienda

Vejo  desejo
Alto nas terras coloridas da hacienda
Mãos de mulher rasgam a terra
A sacada sementeira
Cresce para dentro do domínio


Pátio-mandala e jardim
Paraíso no umbigo da casa
Tom de água, reflexos nas paredes
Azulejos mouriscos, ocres, pimentas
Cactos
Frida Kahlo passeia entre flores
Gatos
Fazem e destroem obstáculos


Respingos nas calhas,
Brilhos de lua e chuva
Espalhados nos becos
Regam samambaias, roseiras
Lavam amores dos espinhos
Fazem macios os  seixos brancos
Fantasmas entre as alas

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Letras

Por navalha de grafite

A página lanhada

Se enfeita de signos

Nasce na brancura

Emaranhado de traços sonoros

Flui o tráfego de linhas

Em esquinas sequenciais

letras paridas do negro

Ruas e esquinas da língua

Entrelaçadas em sons

No silêncio do papel

O lápis grita

Ecoa em si mesmo

Vomita

Prosa, poesia ou bula

Gráficos lineares

Curvas e segmentos retos

Formam o nome de tudo

E do vazio

Escrevem

©Marcos Pontes

Casulo

Sutil

Passa leve

Rasteja sobre a folha

Escreve rastro fosforecente

Ziguezaguia na parede

Sobe desce

Sutil

Come a folha

Voraz devora a planta

Faminta destrói o verde e o resto

Esconde-se na seda

Colorida mudança

Sutil

 

 

©Marcos Pontes

domingo, 24 de maio de 2009

Caffè Macchiato

 6 April 31 3 08 116                                                   








Teu rosto entre minhas mãos

É copo de leite

Flor em brinde

Como teu sexo no meu

Lento começo de um bom dia


Café, pão, manteiga

Um beijo Cândido

De açúcar negro nas moitas morenas

Do jardim de delícias


Sem combates, todos iguais,

Nem deuses que agem sempre

Para nada fazer de decisivo,

Sem Helenas motivo de guerra

Nem Tróia que cercam e não tomam

Em nossa Odisséia doméstica,

Esquecemos Homero e tragédias

De Clitemnestras. Na Bahia,

Quando jangada sai pro mar,

Vai trabalhar seu bem querer

Enquanto te espero me escondo

Atrás do sol

Biombo fronteira entre lá

E aqui, minha Ítaca tropical








 
















₢ Beatriz M. Moura








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Fim do Mundo

Por

O mundo explodiu atrás do prédio

Na Minha Cidade

 

Na minha cidade as calçadas são montanhas

Escaláveis a cada passo

As pessoas conversam alto

Nos passeios matinais

 

Na minha cidade as ruas viram rios

Nas enxurradas de verão

E descem em cascatas as barrancas

Das margens das avenidas

 

Na minha cidade as árvores sobrevivem

A pão e água arrancados à força

Pelas raízes do solo estéril

 

Os violões andam mudos

E as gargantas afiadas

As conversas são truncadas

E as fofocas irradiadas

 

Na minha cidade os homens expõem o sexo

Nas jogadas de quadris como jangadas em vagas

E as mulheres carregam o sexo

Exposto e à vista nas testas nuas

 

Os botequins são mais e ganham menos

Que as igrejas proliferadas nos becos

Que rescendem a mijo e festas

Enquanto ainda ribombam os ecos dos tambores

 

Na minha cidade as lembranças são novas

E o futuro é como o de bebês que não o sabem

Nada se planeja para além do almoço

E nada mais se lembra depois da cachaça da noite

 

As pedras, pós e ervas proliferam nas vielas

De garotos amarelados e meninas prenhes

Onde não entra a justiça fardada ou a divina

E o que se usa agora são pedaços de planos

 

Na minha cidade senhoras caminham apressadas

Em moletons e tênis rasteiros, pulmões escondem

A artificialidade líquida dos cosméticos noturnos

Pressa ensaiada para antes do Sol nascer, vampiras

 

Funcionários públicos não funcionam

Pastores não pastoreiam ovelhas desgarradas

Médicos acusam Hipócrates de simplista pobre

E os pais dão os filhos para a escola criar

 

Na minha cidade estão os amigos espalhados

Do subúrbio pobre é escuro aos jardins podados

Dos bancos da praça às carteiras dos bancos

Inocentes ignoram meus insultos

 

©Marcos Pontes

terça-feira, 19 de maio de 2009

Gata Arranhada

Flerta com a dor

E mia

Arranha e ama a cria

Vive resoluta

pelos cantos

Sem saber que a cura dói

 

Procura o calor da defesa

E deita-se ao lado

Sonha

Plácida e suave pelagem

Encobre o corpo que sofre

 

Ronrona na ponta das patas

Afaga

No calor e luz do dia brinca

Solta o bicho saudável teimoso

Alegra

E revive sete vezes

Gangorra

Sob a sombra dos cílios

Olhos azuis analisam

O equilíbrio da gangorra

Em que o dia num braço

Contrabalança o par

 

Podem piscar por segundos

Que a certeza mantém-se

Não oscila, sustém

Mesmo que trema o solo

E ventanias persistam

 

Os olhos veem o marrom dos olhos

Sem vacilo e sem sustos

Sob torrentes e lava

Na cerração ou claridade

A balança é estável

A vida segue curso seguro

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Átrio

 

Átrio, Atrium Upload feito originalmente por Howard J Duncan

Entre a palavra e a coisa
Resta de mim um naco
- Trago de desconhecido - 
Parado em  boca de serra

Lacuna de eu,
Onde mais sou
Largada ao lado
Sobre o catre dos desejos
E dos ascos

Amor e ódio parecem-me
Lagos de acasos
Afogados em poços
Destes sítios vagos
Insensatos ninhos do impensável

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domingo, 10 de maio de 2009

Urubu



Urubu
pungá
cai na praça
paço


caá
de chá
cachaça


caçador
bico curvo




campeiro


sodade


da-cabeça-amarela
disfarce
bem-te-vi


da-cabeça-vermelha
piroca
pemba


da-cabeça-preta
anu
cagão


gameleira
bicho e planta


jereba
ave e pangaré


ministro
engana e furta


paraguá
reizinho de coroa


peba
bicho ruim



peru
persona
dupla


rei do mangue
domingo


retama na serra




sservar

de olho


timba


imperador


zada de montão
tantos


zama um monte
feira


zar
serva
fofoqueira


zinho
menininho


bicho preto que avoa




voo preto que bicheia




ovo branco que empretece




voo em ovo que emputece



bicho e bico feios


viés em queda negra


terra e asa de negrume

carniça










.

V

Vivo o uivo                      
  o silvo               mitral    
    vaga           válvula      
      voa       a        
        vertical   uivo          
          o            
o vazio                      
  mortal                    
          a vaca verde                
        vende o véu   vermelho      
    vibra    o alvéolo              
       a veia vela o vício          
      o Vaticano     se   vinga      
      da vírgula   velha          
            ventral   varíola      
                varicocele      
           para o óvulo da víbora      
vasta vergonha   a vasculhar    com   vassoura          
as raízes   da primavera                
       o vagabundo varrido              
    vadia                  
        vigia o vigia          
                       
          que vigia o varal          
  várias vezes       o vendilhão              
     foi visto                  
      veludoso                
      venerando       a   vulnerável          
        virgem              

Leve

Levita!

Larga o ocaso pregado no chão

e levita!

Larga os galhos em que te penduras

macaco sem rabo

e levita!

Escora teus cornos no muro

e picha poema absurdo

e levita!

Rasga os velames dos balões

quebra as asas dos aviões

e levita!

Ama as putas como a irmãs

beija o padre como ao tio

rasga-se em muitos

e levita!

Pensa que já não consegue pensar

fala sem voz e grita

voa sem asas

Levita!

Salteña

Salgada salteña

umbu e saliva

suco de sertão verde

a palavra alva

seca na página sua tinta

rasga no vermelho


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a vidraça reflete a água e fonemas

o solo alaga-se de chuva e letras

corrente léxica subindo ladeira

correnteza gramatical arrastando barrancas

alagando a terra seca

Cruel

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Acordei uma aranha.
Espirrei veneno
Na abelha benfazeja

Logo cedo.

Ela agonizava,
Eu bebia mel e morte
No primeiro café do dia

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sexta-feira, 8 de maio de 2009

Sina

KONICA MINOLTA DIGITAL CAMERA

O dedo indicador,

Trapaceiro, brinca

Enroscado no cabelo

Tem sido ele o inimigo afiado

Da mão esquerda enervada

Por fábula sem fada nem fala

É dedo, é garra aferrados à palavra

Até que o sino da meia-noite toque

Não há sinos, aqui

São quatro e dez . Escuto o galo insone

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quarta-feira, 6 de maio de 2009

Nós

Você me deu um nome

Que sempre quis seu!

Minha cachorra fox-paulistinha,

Você chamou de boy

Até o dia em que ela se perdeu

Para me consolar,

Leu Monteiro Lobato, com  voz rouca,

Me apresentou Jorge Amado,

Me deu Lord -  um irlandês  peludo

Me deitou num remanso,

Disse que Proust era um chato

E convenceu o dog : era ele a minha babá

Você me educou debaixo de sol,

Estimulou alpinismo,

Mostrou sua paixão pela esgrima

Suas espadas encostadas na máscara de luta,

Espreitando no fundo do armário ,

Foram meu horror bem cedo

Eu sempre quis cama, lua,

O frio das manhãs sob as cobertas.

Quando nos elogiávamos, desconfio,

Ambas disfarçávamos.

Você pisava a praia toda, todas as tardes

E no mar jamais entrava.

Eu adorava uma onda  salgada e nua de areia

Escorpioa, signo de água, eu fluía

Você terra taurina, represava.

Opostas complementares, duas insanas,

Adorávamos nos provocar

Cabelos branquíssimos,

Cigarros amarelando seus dedos,

Pés descalços, você morava no meio do mato.

Eu, no asfalto, rodeada de portas e sapatos,

Encastelava-me no décimo sétimo andar

Mas, naquela madrugadinha gelada em Sampa,

Você tossiu fundo.

Seu olhar de menina renasceu no meu colo,

Há muito tempo sem caber mais no seu.

Quando nos entendemos,

Você morreu



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segunda-feira, 4 de maio de 2009

Vazia blavina

Nota introdutória:

Postei  Que sais, je, Clarice? , confessando meu sentimento de vazio. Aí fui até o Estúdio e dei de cara com uma proposta genial dos colegas dos Volmar Camargo Junior e Juliana Blasina.

Eles inventaram um soneto assim constituído - número de estrofes: 7; numero de versos: 13, distribuídos a partir dessa sequência: 1-2-3-1-3-2-1; tamanho dos versos: o objetivo é que o poema comece e termine com uma palavra, e que vá "aumentando" até chegar ao verso-estrofe central. Batizaram lindamente sua cria: blavino. Bem Blasina e Volmar. Vi blavinos belíssimos lá no Estúdio. Colheita - Blavino-n. 1, Cat on rot tin roofIminente, Estrada. Todos em forma de flecha, que eles chamam de pirâmide.

Eu sei porque vi flecha: naquele momento era o que eu precisava; direção pra minha linguagem que se perdia. Agradeço a eles e a todos lá, em  Que sais, je, Clarice?, foram cúmplices, amigos e souberam compreender

 

Vazia

Da palavra cheia

Que sais, je?

Se é tensão pré-metáfórica,

Outro embate com os objetos-eu,

Ou se é você anestésico e sem desejo?

Olho as paredes, a mariposa imóvel na rede até quando?

Vejo a poltrona assinada pela marca

Onde sonha a preguiça vagabunda,

O gato neste naco de mundo

Objetos que me fundam,

Cercam, espero-os

Prosaicos

 

 

 

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sexta-feira, 1 de maio de 2009

Combray na Bahia

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The Coffee Drinkers, David Salle, 1973

O tempo reencontrado aproxima distâncias,
O tempo perdido distancia proximidades,
O passado nunca possuído retorna
O presente aqui dentro
Da xícara de café

Na Bahia, minha Combray sem chá,
Anu-preto, tem um jeito,
Canta grave repetido.
Bem-te-vi chateia gata que sente dor,
E corruíra, sabida, sonoriza a aurora

Enquanto as coisas se passam como em amor,
Os seres amados incomunicáveis em si,
Dos sons e sabores sai o mundo,
A vida acorda agora
Mas meu gato e meu homem roncam enrolados
Únicos: tempo e lugar
Eu recordo, perco o fio do poema
E o hábito, por um instante, dorme

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