domingo, 29 de março de 2009

Armadilha


Puxada de Rêde
Upload feito originalmente por Iraildes


Na brecha entre as telhas,
Brinca de esconde-esconde,
Um resto que decifra
Primevas armadilhas

Impreciso, o quebra-cabeça rói
A parede da noite de uma criança
Sem rosto

Refletidas nos olhos de espanto azul franzido,
Sombras são leões com jubas de folhas
À espera, na rede do terraço ancestral
É seu pai
- Rei da presença na ausência –
É o prazer
- Fera em plena fuga -
É fúria
- Caos que devora uma infância

Se na areia da vanguarda, vacas mansas
Com seus heróis pescadores ainda flertam,
As gaivotas vorazes do pensamento,
À luz da estrela da manhã, fazem querer
O primeiro cigarro, rito atávico,
Pito dos antigos escravos

Ela avança entre lãs enroladas nos tornozelos,
A cabeça, levemente, inclinada para esquerda
Não sabe o que mais teme ou deseja ser



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Entreato


mooi's lamps
Upload feito originalmente por Matteo Tarenghi

Entre a tua solidão e a minha,
Avança a noite contra o céu
No grande silêncio aberto
Entre o teu sono e a minha vigília,
Nosso devaneio treme,
Entre nossas retinas insones,
Que o sereno arranha,
Nossos planos
Buscam-se nos parques, praças
Onde minha infância e a tua se encontram
Verdes, efêmeras delicadezas,
Feito folha de avenca guardada
No alpendre de ontem

E nosso destino sonha de frente
Para o pôr-do-sol
Entre a minha serenidade e a tua pressa

A brisa desfaz a bruma que embrulha nosso presente



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Móvel


Non ducor, duco
Upload feito originalmente por
fabio stachi


Pela fresta, escapa uma avenida
Congestionada
Por infância de manhãs frias,
Noites quentes, sempre à deriva
Madrugadas insones, quando tudo e tanto
Se perdia

Meio-dia deserto,
O dia inteiro multidão,
Greve e passeata,
Encontros, pressa,
Despedida e boas vindas

Na esquina, chorava um quarteirão
E tardes de abril fugiam,
De fuligem, chuva e mau humor,
Para dentro das livrarias

Agora, pela porta aberta,
Entra, assustada,
Uma vida de espaços,
Cheia
De sei? Não!

E de saídas para o diferente,
- Bom dia!
Que resvala na rotina
E, vivo
Em devaneio,
Termina



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quarta-feira, 25 de março de 2009

Viagem

Move-se preso ao cais
Num vai e vem infindo
Balanço que não nina.
Gira o globo em seu redor
E, como tudo, é centro,
Borda e periferia
Do universo em voltas.
Não para o cais que segura
Nem as marolas que agitam.
Na proa, marujo por vezes atento,
Noutras, sonolento passageiro;
Após a popa
Marés percorridas ainda vivas
E outras mortas nas lembranças.
Segue a nau singrando águas
Abertas por quilhas como navalhas
- ilusão de nave estanque –
Deixando rastro olvidável,
Horizonte que não chega à vista.

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Grito

Ensina-me a falar alto
Quando o grito é para dentro
E reverbera no oco do crânio,
Solitário canto gregoriano

Mostra-me o jeito certo
De cantar antiga canção
Que fala de amigos e amores
Enquanto à boca chiusa eu falo

Dá-me aula de como dizer
Que os gestos também ocultam
Não traduzindo o que a alma berra
Em sons ectoplasmáticos surdos

Preciso que me mostre claro
Como dizer, gritar, urrar
O que bole cá dentro
De tanto amor que lhe tenho

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terça-feira, 24 de março de 2009

Desejamento

Querer ao maço
Desejar exponencialmente
Na infinitude do desejamento
A eternidade da amoração

Apaixonar-se por segundamente
Pela mesma mulher
E senfinitamente dar-se

Com a eternitude
Da benquerência mútua
A felicitude oceaniza-se
De margem a margem
Da universidade dos dois

É a amoridade incontida
Na limitude de cada um
Somada com a do par
Fazendo-se prasempremência


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Sacro

Acre o ocre do altar
Em que santos de argila e cal
Ignoram o milagre diário
De se viver na barbárie moderna
Da violência gratuita

Ácido ócio da santidade
Imposta por humanas rezas
Irradiadas no silêncio da fé
De déspotas com mitras
E poderes divinos pretendidos

Vítreas vontades nas mãos
De quem diz ter caminho seguro
Para o trono dito dourado
E porta-voz do grande chefe,
Prepotentes homens sagrados.


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Teimosas

Céleres palavras
Cavalgam barulhentas
Reverberando agudas e graves
Pelos labirintos inconclusos

Passeiam sem sentido
À procura, de liame
Bóiam, flutuam quebradas
E vazias de significado
Confundem,
Destroçam versos
De quebra-cabeça insolúvel

Forçam o parto que não se dá
E corcoveiam chucras, indomáveis
No útero das idéias inacabadas,
Embolam-se e não se tocam
Sem junção, à deriva
De rimas disjuntas

Insistem, essas caprichosas
Na função fantasmagórica
De assustarem o falso autor
Em sua teima de poema e prosa.


©Marcos Pontes e Beatriz Mecozzi Moura
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terça-feira, 17 de março de 2009

Passos noturnos


Traffic, upload feito originalmente por Lala Mártin.

Passos pingam nos ouvidos
Ávidos da menina assombrada
Por figuras atávicas

Os saltos na madrugada
Invadem o silêncio infantil
De sonhos quaisquer
E ecoam nos ladrilhos
Do solo cerebral

Mulheres de outras eras
Encantam a criança
Desencantam os segredos
Vigiam as noites
E seguem vida a dentro
A acompanhar a mulher

Tacão nos mosaicos do solo
Reverberam e assustam os sonos
Refletem nas paredes escuras
Na falta de luz se escondem
Assustam e confortam
Com a presença vigilante
Dos ancestrais que não dormem.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Cedo?


Destino - Destiny, upload feito originalmente por osbedu.

Foi aqui na minha rua.
Era manhã cedo,
Eu andava em linha reta
Feito um trem de bem
Com seus trilhos
E nos meus dentes, o vento
Roçava mais um projeto

Sol macio,
E o perfil do gato na janela
Cheirando o vento,
Mostrou enfado
Espreguiçou enigmas
E desviou o olhar da vida
Onde a morte faz segredo

Minha pele, molhada pelo tempo,
Perguntava se era hora,
Se era bênção
Repetir o engano,
Insistir no ato de cumprir
Fados atados ao pulso
De um destino inerte

Os meus olhos presos
Viram monstros
Nas fraturas da calçada,
Urrando avisos

Minha boca se encheu de medo
E cuspi o plano armadilha
De meu querer sem desejo

₢ Compulsão Diária

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domingo, 15 de março de 2009

Dia a dia

Enraizada a vida se espalha
Toma a cama e as ruas
Sobe pelas pernas e paredes
Se encastela nas cãs e nas torres
Veste-se de anáguas e armaduras
Sacia-se nas fontes e nas coxas
Afoga-se nas salivas e nos mares
E renasce.

Alimenta-se nos banquetes e latrinas
Salta dias e muros
Beija bocas e solos
Lambe pedras e colos
Arranha peles e riscos
Escreve cartas e destinos
Queima cartas e a si
E renasce.

Apela aos santos e carrascos
Enamora as fêmeas e as carteiras
Celebra nascimentos e loterias
Joga sortes e desejos
Pulsa dentro e sobre navalhas
Olha olhos e nucas
Rasga entranhas e papéis
Enforca-se em vigas e labutas
E renasce.

Aleija pernas e cérebros
Casa casais e umbigos
Banha-se em banheiras e campos
Colhe flores e tempestades
Corre em ruas e relógios
Deita-se em redes e berço esplêndido
Descasca frutas e mágoas
Perdoa dívidas e dúvidas
Cobra dívidas e incertezas
Morre em si e esquece
Até não mais renascer.


₢Marcos Pontes
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Dia Branco

Manhã de cloro
Claro e inodoro sol
Lástima de quem planta
Ócio de veranista
Alvo dia que rebenta
Do útero da madrugada
Branco nasce da negra
Matina albina
Das entranhas da noite

₢Marcos Pontes
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sábado, 14 de março de 2009

Fauno Caravela



Delícia recíproca crua
Ela lhe pede
- Conheça-me!

Clarins! E os estares são quases.
Ela no plano do ainda ser
E ele já é tão ela

Comunhão sem se saberem

Ela pressente enigmas,
Vestais envoltas em véus-cílios
Sob o vão do seu olhar vasto

Viola minha intimidade que desvelo a sua,
Fauno insone, a galope,
Anuncia tempestades e flecha a calmaria,
Saltando sobre seus amores vícios

Ampla, a voz dele
É flauta de atravessar vigília,
Acossar sentimento.
Fala fleuma de espirrar vácuos,
Cavalgar gemidos

Fauno - Caravela, leva-me,
vestida num parangolé,
Na sua vela sem leveza?

Da sua loucura, viajem sem meta,
Quero seu float e flash no esquecimento,
Partida com sabor doce-amargo de aventura
Fresta de fuga sem fiasco



Imagem, a partir de, Luiz Fernando Guimarães veste PARANGOLÉ CAPA 23, M’Why Ke, Nova Iorque, 1972



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quarta-feira, 11 de março de 2009

Sol

A seda áspera da tarde quente
Roça o couro
Arranha como palma de espinho
Reluz em ouro
Aquece dentro e queima fora
Reflete claro
Ilumina até mesmo a sombra
Cintilante astro


©Marcos Pontes

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terça-feira, 10 de março de 2009

Grão de Domingo




Pão Caseiro, porRose Gomes

Anoitece.
A rua, vestida de bronze,
Acorda acariciada pelos passos
De quem volta e vai

No final do dia,
Todos os dons e perdas
Não se querem danos

Preferem ser pão, tocados pelo sol,
Astro alimento luminoso
- Grão de domingo -
Entre sarças,
Em cada entardecer,
Escondidos

₢ Compulsão Diária
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segunda-feira, 9 de março de 2009

Amor

Não se perde ou se acha
Nas esquinas ou na cama
Na aliança ou na briga
Não se faz ou se destrói
Na igreja ou na rua
Com o olhar ou o toque

Surge do nada e se decide
Se cresce ou morre
Se é eterno ou diz adeus

Ele diz como fazer
Entre o pouco e quase nada
Escolhe o rumo e a forma

Mostra o rumo e a perda
Mata, morre e dá vida
Mescla sangue e saliva

Dá com a mão, tira com o pé
Desdenha quando bem quer
Digere e regurgita

Alerta e esconde
Altera e mantém
Amordaça e grita

O amor é senhor
Ordena sem falar
Omite entre gritos

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quarta-feira, 4 de março de 2009


Around the corner, upload feito originalmente por Little.Snail.

Naquela esquina, você sempre dobra


À direita, e eu, na calçada estreita


Sigo atrás. Mas hoje, foi a tarde


Que dobrou dourada,


Quente de promessas



E eu, ali, sem você, fiquei parada


Na quina de um tormento.


Eu era boneca de pano,


Sem recheio, toda errada,


Porque na rua onde você tudo acha,


Não achei nada



Agora, a noite, que espreguiça


Na ponta crescente da lua,


Vai cair na encruzilhada,


E proteger amantes


Até amanhã cedo



E eu aqui, sem nenhum dinheiro,


Fria de medo,


Com pressa pra lhe fazer um agrado,


Não me acho,


Não sei se fico,


Nem se parto,



Ou se ainda sou a mulher


Que você, para sempre,


Quis sua, só por um dia


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terça-feira, 3 de março de 2009

Abismo simples


Nova Alta Paulista - São Paulo - Brasil, upload feito originalmente por rose gomes.

Nos olhos do gato, o encanto partido
E a espera piscam em silêncio,
Por sono, sexo e sonífero
Que adormeçam essa tristeza sem pranto,
Diminuam a distância desse lado a lado
Cortado pela dívida, pela dúvida
De dois corpos pasmos
Perdidos e com os pés frios de medo,
Dando passos em falso
Nesse abismo que se instala,
Expulsa a mágica, deixa espanto
E entroniza o medo de um futuro sem fala