domingo, 24 de maio de 2009

Na Minha Cidade

 

Na minha cidade as calçadas são montanhas

Escaláveis a cada passo

As pessoas conversam alto

Nos passeios matinais

 

Na minha cidade as ruas viram rios

Nas enxurradas de verão

E descem em cascatas as barrancas

Das margens das avenidas

 

Na minha cidade as árvores sobrevivem

A pão e água arrancados à força

Pelas raízes do solo estéril

 

Os violões andam mudos

E as gargantas afiadas

As conversas são truncadas

E as fofocas irradiadas

 

Na minha cidade os homens expõem o sexo

Nas jogadas de quadris como jangadas em vagas

E as mulheres carregam o sexo

Exposto e à vista nas testas nuas

 

Os botequins são mais e ganham menos

Que as igrejas proliferadas nos becos

Que rescendem a mijo e festas

Enquanto ainda ribombam os ecos dos tambores

 

Na minha cidade as lembranças são novas

E o futuro é como o de bebês que não o sabem

Nada se planeja para além do almoço

E nada mais se lembra depois da cachaça da noite

 

As pedras, pós e ervas proliferam nas vielas

De garotos amarelados e meninas prenhes

Onde não entra a justiça fardada ou a divina

E o que se usa agora são pedaços de planos

 

Na minha cidade senhoras caminham apressadas

Em moletons e tênis rasteiros, pulmões escondem

A artificialidade líquida dos cosméticos noturnos

Pressa ensaiada para antes do Sol nascer, vampiras

 

Funcionários públicos não funcionam

Pastores não pastoreiam ovelhas desgarradas

Médicos acusam Hipócrates de simplista pobre

E os pais dão os filhos para a escola criar

 

Na minha cidade estão os amigos espalhados

Do subúrbio pobre é escuro aos jardins podados

Dos bancos da praça às carteiras dos bancos

Inocentes ignoram meus insultos

 

©Marcos Pontes

Um comentário:

Beatriz disse...

Que forte!
Essa cidade é tudo isso e mais.